segunda-feira, 25 de novembro de 2013

sete anos

sempre tive dificuldade em decorar nomes e datas. são coisas que me fogem a uma velocidade vergonhosa. poderia ter feito listas das músicas de que mais gosto ou das datas de que gostava de não me esquecer, mas sem saber bem porquê essas listas nunca me pareceram relevantes e acabo sempre por me remeter a um silêncio ignorante quando me perguntam por elas.
ao contrário dos nomes e das datas, a lista de "perguntas a que a dado momento perdi a resposta" é uma das decoradas com assombrosa exactidão. hoje reencontrei uma das respostas há muito perdidas: sete anos. é esse o tempo que demora a que todas as células do nosso corpo morram e sejam substituídas por novas. (porque me lembro da altura exacta em que quis recordar-me desta resposta e não consegui sei que a fiz numa altura em que era materialmente outra - onde guardamos quem somos?)

terça-feira, 5 de novembro de 2013

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andava escondida no cabeçalho deste blog até ter sido resgatada - de forma completa - por culpa de metade da dupla Lina&Nando.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

coincidências

esta sensação de esbarrar ao de leve com coincidências (não sei, na verdade, se isso é possível - esbarrar ao de leve -,  mas é qualquer coisa como as manhãs particularmente difíceis no metro, a tentar sair na paragem correcta) parece-me sempre resultado de horas excessivas em silêncio. andei a preparar-me para passar uma hora e meia a explicar coisas a um miúdo de 14 anos. claro que, como qualquer miúdo de 14 anos não trouxe nada do que lhe pedi. dei-lhe a escolher entre o livro que ando a ler a caminho do trabalho e o livro  de exercícios da aula dele. escolheu o meu livro e escolheu, de todos os ensaios, aquele que lhe parecia o menos mau da lista. lemos o texto várias vezes, tentei arrancar-lhe qualquer coisa que não fossem as palavras rapidamente decoradas. tentei que ligasse o que quer que fosse de forma menos óbvia. a última pergunta que lhe fiz pareceu-me previsível. perguntei-lhe qual seria o significado do título. achei que era demasiado fácil para ele se esquivar à resposta. sorriu envergonhado, também ele achou a pergunta fácil. suspirei com algum alívio, esperei que me respondesse "morte" e que relacionasse o conceito com o que tinha lido. ele respondeu-me "amor". 
o ensaio que lemos é dos últimos do livro, coisa difícil sobre o trabalho do Rui Chafes, ontem a tentar decidir se revejo o currículo, se trabalho só mais uma hora, se volto finalmente a correr, olhei para os ensaios e não fui capaz de pegar neles. peguei antes no fausto do Thomas Mann (haverá mito onde a morte e o amor estejam em pontos mais extremos?). hoje, a caminho do trabalho voltei aos ensaios:

"A acreditar no gélido deserto de Adrian Leverkühn, o riso diabólico é frio, mas este riso, que impregna o intervalo entre a visão e o nome, consagra todas as temperaturas, omnívoro: caldarium, temperarium, frigidarium, como nas termas romanas."

(não fosse o miúdo de 14 anos e não saberia reconhecer o riso de Adrian Leverkühn)

domingo, 13 de outubro de 2013

leituras

Insultei-me várias vezes por nunca ter aprendido a fazer ligações directas com o pessoal da terra que andava aos tractores. Erros que se cometem quando se é novo e não se percebe que é preciso aprender de tudo. Prometi-me levar o miúdo à terra um dia e ensinar-lhe a matar um porco, varejar azeitonas, pegar fogo à mata, roubar vinho, roubar galinhas, encontrar o caminho para casa embriagado, sem luzes, levado pelo cheiro das cabras, ganhar à sueca, fazer fisgas, fugir à guarda, não comer fruta do chão, reconhecer o caminho das pedras no rio, sacar moças nos bailes, mudar o óleo, tirar água do poço e uma bezerra da barriga da mãe, levar uma galheta sem chorar nem baixar os olhos, fazer corridas de tractor, baldar-se à missa sem dar nas vistas, aliviar as caixas das esmolas e as hóstias do sacristão, ir aos caracóis e às amoras, marcar terras, tudo aquilo que faria dele um homem melhor, mais preparado. Coisas que só se aprendiam na terra, nos meses eternos de Verão. 

Ricardo Adolfo, Depois de morrer aconteceram-me muitas coisas

leituras



Os intervalos

Não coleccionamos transições - caminhadas entre um sítio e outro. Tal incapacidade, pois disso se trata, é, entre várias, uma das que mais nos menoriza. Memorizamos tranquilamente - nos nervos internos treinados para tal tarefa - um sítio e outro, um sentimento e o que surge a seguir, os amantes consecutivos, um dia e o seguinte (domingo, segunda), mas o que está entre o visível, o nomeável e o memorizável perde-se - sem textura nem ocupação mínima do espaço que permita tornar credível, aos olhos dos outros, a sua colecção. E o que não podemos mostrar não existe.

Gonçalo M. Taveres, Breves Notas sobre o medo

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

leituras

«Perdem-se os pensamentos que guardamos para nós.» (MFM)

  Lilith guarda na mão uma navalha para aparar a ideia. Uma navalha mitológica, proprietária de um corte imaterial, mas intenso; uma exactidão invisível não deixa de ser exacta.
  Não é uma eficácia louca.

  Mas a eficácia não é um objecto que possas agarrar e guardar. Se o fosse, todos os seres vivos seriam eficazes. A eficácia está alojada no tempo e não no espaço. E o que não está no espaço não se pode guardar. O que habita o tempo é intocável, e é o mais essencial. O que podes guardar não é importante; o que tem volume, altura, largura pode ser guardado.

  Os pensamentos habitam o tempo. Utilizam o tempo para existir, tal como o fruto utiliza a árvore para existir. Não há solo onde pousem os pensamentos, a não ser que consideres o cérebro uma instituição compacta, de onde as coisas não caem.
  Escrever, desenhar: são ocupações evidentes do espaço. Do espaço magro que é uma folha, mas espaço.
  Uma ideia não desenhada nem escrita não ocupa espaço, ocupa tempo. O cérebro é um espaço onde diversos fenómenos temporais ocorrem.

  Uma ideia não tem lado direito ou esquerdo. Não tem peso ou volume, forma ou cor. Uma ideia tem segundos, ou minutos, por vezes horas, ou dias inteiros, meses.
  Uma ideia não é curva nem é uma recta.

  Lilith atravessou um caixão aberto, correu de um lado ao outro do caixão aberto. Apenas dois metros de comprimento: duas sensações estranhas: correr em espaço tão curto e esse movimento intenso dentro de uma caixa feita para guardar a imobilidade. Um exercício filosófico: correr dentro de um caixão.

  De noite, Lilith era uma mulher que fazia barulho com as ideias. Incomodava os vizinhos.
  Baixa o volume das ideias, alguém lhe disse.
  Uma ideia alta, uma ideia baixa.
  O interessante na inteligência é o modo como esta agarra qualquer objecto. As coisas não têm apenas uma pega, como as chávenas de café, as coisas do mundo são pegáveis por todos os lados, em todos os tempos, e pelos mais estranhos instrumentos: desde a mão, à pinça, às diversas tenazes. Estamos a ser agarrados por todo o lado, como se fôssemos loucos ou deixássemos que os outros o fossem sobre nós.
  Queres ser louco sobre mim?
  Eis a permissão mais generosa: Lilith aceitava que cada um pousasse sobre ela a sua loucura individual.
  Podes ser louco à vontade, não contarei a ninguém.
  Só as grandes amizades permitem a loucura.
  A loucura como teste.
  Ainda não sei se és meu amigo pois ainda não fiquei louco.

Gonçalo M. Tavares, Breves Notas sobre as ligações (Llansol, Molder e Zambrano)

terça-feira, 24 de setembro de 2013

leituras

A verdade e os desenhos

  É mais verdadeiro desenhar o verdadeiro ou escrevê-lo?
  Poderá parecer ridícula a pergunta, mas o facto é que a ciência considera que é mais verdadeiro escrever o verdadeiro.
  Ou outra questão: é possível escrever aquilo que é verdadeiro sobre um fenómeno e é impossível desenhá-lo ou fotografá-lo?
  Será o bom pintor incapaz de pintar a verdade?
  Será que as letras, será que o alfabeto se encontra mais próximo da verdade - será que é mais verdadeiro que as manchas, os traços e a cor?
  [E o mais estranho de tudo isto é que há uma infinidade de línguas (uma infinidade de associações de letras para a verdade de uma coisa) enquanto se desenhares um corpo humano todos o entenderão.]
  Há algo de estranho, diremos até: há algo de místico na convicção de que a palavra descreve melhor a verdade do mundo (ou que se aproxima mais dela).

Gonçalo M. Tavares, Breves Notas sobre  ciência


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terça-feira, 10 de setembro de 2013

leituras

"Mario'd fallen in love with the first Madam Psychosis programs because he felt like he was listening to someone sad read out loud from yellow letters she'd taken out of a shoebox on a rainy P.M., stuff about heartbreak and people you loved dying and U.S. woe, stuff that was real. It is increasingly hard to find valid art that is about stuff that is real in thus way. The older Mario gets, the more confused he gets about the fact that everyone at E.T.A. over the age of about Kent Blott find stuff that's really real uncomfortable and the get embarrassed. It´s like there's some rule that real stuff can only get mentioned if everybody rolls their eyes or laughts in a way that isn't happy."

David Foster Wallace, Infinite Jest

(Desde o início, as minhas duas personagens favoritas.)

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

notas (para um plano)

2. a necessidade de definir um tempo para as imagens, obriga a que o espaço que elas ocuparão tenha também de ser definido (não existe tempo sem espaço).

domingo, 8 de setembro de 2013

notas (para um plano)


1. há sítios a que tenho de voltar muitas vezes até os conseguir ver.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

pausa para almoço


Há coisas novas por aqui.

A transformação da fotografia em cartaz é da responsabilidade da dupla Lina&Nando.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013