segunda-feira, 21 de outubro de 2013

coincidências

esta sensação de esbarrar ao de leve com coincidências (não sei, na verdade, se isso é possível - esbarrar ao de leve -,  mas é qualquer coisa como as manhãs particularmente difíceis no metro, a tentar sair na paragem correcta) parece-me sempre resultado de horas excessivas em silêncio. andei a preparar-me para passar uma hora e meia a explicar coisas a um miúdo de 14 anos. claro que, como qualquer miúdo de 14 anos não trouxe nada do que lhe pedi. dei-lhe a escolher entre o livro que ando a ler a caminho do trabalho e o livro  de exercícios da aula dele. escolheu o meu livro e escolheu, de todos os ensaios, aquele que lhe parecia o menos mau da lista. lemos o texto várias vezes, tentei arrancar-lhe qualquer coisa que não fossem as palavras rapidamente decoradas. tentei que ligasse o que quer que fosse de forma menos óbvia. a última pergunta que lhe fiz pareceu-me previsível. perguntei-lhe qual seria o significado do título. achei que era demasiado fácil para ele se esquivar à resposta. sorriu envergonhado, também ele achou a pergunta fácil. suspirei com algum alívio, esperei que me respondesse "morte" e que relacionasse o conceito com o que tinha lido. ele respondeu-me "amor". 
o ensaio que lemos é dos últimos do livro, coisa difícil sobre o trabalho do Rui Chafes, ontem a tentar decidir se revejo o currículo, se trabalho só mais uma hora, se volto finalmente a correr, olhei para os ensaios e não fui capaz de pegar neles. peguei antes no fausto do Thomas Mann (haverá mito onde a morte e o amor estejam em pontos mais extremos?). hoje, a caminho do trabalho voltei aos ensaios:

"A acreditar no gélido deserto de Adrian Leverkühn, o riso diabólico é frio, mas este riso, que impregna o intervalo entre a visão e o nome, consagra todas as temperaturas, omnívoro: caldarium, temperarium, frigidarium, como nas termas romanas."

(não fosse o miúdo de 14 anos e não saberia reconhecer o riso de Adrian Leverkühn)

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