A
primeira cicatriz de que me lembro é a que tenho no joelho esquerdo. Da altura mais desportista da minha vida, era
perita em dar as voltas mais rápidas ao bloco de prédios onde vivia, na bmx
vermelha – a bicicleta mais cool jamais inventada. Andava, na época, preocupada
em saber subir passeios e descer a
rampa mais íngreme da zona, que acabava – obviamente – numa curva de 90.º ou,
para os mais nabos, directamente no muro da escola. Saber fazer aquela curva
era tudo o que contava. (Admito desde já que todas as cicatrizes que fiz se
reportam a esse tempo bem delimitado em que ninguém me fazia frente… depois disso
deixei-me de acrobacias e dediquei-me aos livros – a ler, entenda-se.)
Mas
voltando a essa primeira cicatriz, lembro-me perfeitamente do joelho esfolado,
do frasco de betadine mágico e daquele que era sempre o momento determinante –
a altura de arrancar a crosta. O controlo sobre o período exacto de
convalescença era meu; nesse tempo não importavam as consequências – a horrível
cicatriz; importava, sim, ficar impecável novamente e pronta para a próxima
corrida.
Agora
que os tempos são outros, através da maravilha que é a tecnologia – devíamos todos
saber “the big brother is always watching
you” (ler os clássicos vai dando
jeito para as pequenas surpresas da vida) – descobri que quem nos arranca as crostas –
virtuais, diga-se, que nada disto é visceral, mas isso é outra conversa – são os
outros. Parva com a descoberta de que ando a
ser diligentemente seguida por quem não me conhece, mas que decididamente acha
que me vai conhecer por aqui (os números impressionantes de páginas visitadas e
a cadência obsessiva dessas mesmas visitas é obra que merece a banda sonora do Psycho em jeito de homenagem), deixo aqui algumas notas que penso poderem ser de
interesse:
1) Houve uma altura da minha vida
em que uma bmx vermelha directamente entregue pelo pai natal (não, os meus pais
não eram pós-modernos) era o meu maior orgulho;
2) Também eu já me diverti a
arrancar crostas à espera que ficasse tudo bem, mas rapidamente descobri que as
cicatrizes notam-se sempre e são coisa pouco sexy;
3) Depois dessa época bem sadia da
minha vida, mas muito pouco produtiva, dediquei-me aos livros e só posso
aconselhar o mesmo caminho – uma voltinha ao bilhar grande e umas boas
leituras, acredita, dá mais frutos do que se andar a perder tempo por estas
paragens.
2 comentários:
«...uma voltinha ao bilhar grande e umas boas leituras, acredita, dá mais frutos do que se andar a perder tempo por estas paragens.»
;)
na verdade podia ter resumido o texto a essa frase ;)
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